Você anda de ônibus? Um dos integrantes de uma das famílias mais ricas da França, um da família Hermès, Dimitri Mussard anda! Em São Paulo!
Dimitri Mussard |
Depois
de mais de 15 anos ensinando a estrangeiros, aprendi a admirar várias
facetas da cultura europeia. Creio que um olhar mais apurado desta
cultura pelo Brasil seria de grande benefício a todos nós. Claro que
cada povo tem sua cultura, contudo, copiar o que é bom, valoriza
qualquer um. Há alguns dias, li um artigo em que o filho de uma das
famílias mais ricas da Europa, um integrante da família Hermès, disse
que anda de ônibus em São Paulo! Diga-me com sinceridade, você conhece
algum brasileiro que tenha um pouco mais de condições financeiras que
ande de ônibus em qualquer lugar deste país? Muitos brasileiros não têm
uma casa própria, mas carro? Ah, isto sim! A nossa classe média e a
classe média alta vivem um estilo de vida difícil de manter se não for
com muito trabalho!
O
artigo abaixo, escrito por Adriana Setti, narra uma história muito
interessante. Se seguíssemos apenas alguns dos comportamentos
comentados, já diminuiria bastante o stress de muita gente!
Por Adriana Setti
No ano passado, meus pais (profissionais ultra-bem-sucedidos que
decidiram reduzir o ritmo em tempo de aproveitar a vida com alegria e
saúde) tomaram uma decisão surpreendente para um casal – muito enxuto,
diga-se – de mais de 60 anos: alugaram o apartamento em um bairro nobre
de São Paulo a um parente, enfiaram algumas peças de roupa na mala e
embarcaram para Barcelona, onde meu irmão e eu moramos, para uma espécie
de ano sabático.
Aqui
na capital catalã, os dois alugaram um apartamento agradabilíssimo no
bairro modernista do Eixample (mas com um terço do tamanho e um vigésimo
do conforto do de São Paulo), com direito a limpeza de apenas algumas
horas, uma vez por semana. Como nunca cozinharam para si mesmos, saíam
todos os dias para almoçar e/ou jantar. Com tempo de sobra, devoraram o
calendário cultural da cidade: shows, peças de teatro, cinema e ópera
quase diariamente. Também viajaram um pouco pela Espanha e a Europa. E
tudo isso, muitas vezes, na companhia de filhos, genro, nora e amigos, a
quem proporcionaram incontáveis jantares regados a vinhos.
Com
o passar de alguns meses, meus pais fizeram uma constatação que beirava
o inacreditável: estavam gastando muito menos mensalmente para viver
aqui do que gastavam no Brasil. Sendo que em São Paulo saíam para comer
fora ou para algum programa cultural só de vez em quando (por causa do
trânsito, dos problemas de segurança, etc), moravam em apartamento
próprio e quase nunca viajavam.
Milagre?
Não. O que acontece é que, ao contrário do que fazem a maioria dos
pais, eles resolveram experimentar o modelo de vida dos filhos em
benefício próprio. “Quero uma vida mais simples como a sua”, me disse um
dia a minha mãe. Isso, nesse caso, significou deixar de lado o
altíssimo padrão de vida de classe média alta paulistana para adotar,
como “estagiários”, o padrão de vida – mais austero e justo – da classe
média europeia, da qual eu e meu irmão fazemos parte hoje em dia (eu há
dez anos e ele, quatro). O dinheiro que “sobrou” aplicaram em coisas
prazerosas e gratificantes.
Do
outro lado do Atlântico, a coisa é bem diferente. A classe média
europeia não está acostumada com a moleza. Toda pessoa normal que se
preze esfria a barriga no tanque e a esquenta no fogão, caminha até a
padaria para comprar o seu próprio pão e enche o tanque de gasolina com
as próprias mãos. É o preço que se paga por conviver com algo totalmente
desconhecido no nosso país: a ausência do absurdo abismo social e,
portanto, da mão de obra barata e disponível para qualquer necessidade
do dia a dia.
Traduzindo
essa teoria na experiência vivida por meus pais, eles reaprenderam (uma
vez que nenhum deles vem de família rica, muito pelo contrário) a dar
uma limpada na casa nos intervalos do dia da faxina, a usar o transporte
público e as próprias pernas, a lavar a própria roupa, a não ter carro
(e manobrista, e garagem, e seguro), enfim, a levar uma vida mais
“sustentável”. Não doeu nada.
Uma
vez de volta ao Brasil, eles simplificaram a estrutura que os cercava,
cortaram uma lista enorme de itens supérfluos, reduziram assim os custos
fixos e, mais leves, tornaram-se mais portáteis (este ano, por
exemplo, passaram mais três meses por aqui, num apê ainda mais simples).
Por
que estou contando isso a vocês? Porque o resultado desse experimento
quase científico feito pelos pais é a prova concreta de uma teoria que
defendo em muitas conversas com amigos brasileiros: o nababesco padrão
de vida almejado por parte da classe média alta brasileira (que um
europeu relutaria em adotar até por uma questão de princípios) acaba
gerando stress, amarras e muita complicação como efeitos colaterais. E
isso sem falar na questão moral e social da coisa.
Babás,
empregadas, carro extra em São Paulo para o dia do rodízio (essa é de
lascar!), casa na praia, móveis caríssimos e roupas de marca podem ser o
sonho de qualquer um, claro (não é o meu, mas quem sou eu para
discutir?). Só que, mesmo em quem se delicia com essas coisas, a
obrigação auto-imposta de manter tudo isso – e administrar essa
estrutura que acaba se tornando cada vez maior e complexa – acaba
fazendo com que o conforto se transforme em escravidão sem que a
“vítima” se dê conta disso. E tem muita gente que aceita qualquer
contingência num emprego malfadado, apenas para não perder as mordomias
da vida.
Alguns
amigos paulistanos não se conformam com a quantidade de viagens que faço
por ano (no último ano foram quatro meses – graças também, é claro, à
minha vida de freelancer). “Você está milionária?”, me perguntam eles,
que têm sofás (em L, óbvio) comprados na Alameda Gabriel Monteiro da
Silva, TV LED último modelo e o carro do ano (enquanto mal têm tempo de
usufruir tudo isso, de tanto que ralam para manter o padrão).
É
muito mais simples do que parece. Limpo o meu próprio banheiro, não
estou nem aí para roupas de marca e tenho algumas manchas no meu sofá
baratex. Antes isso do que a escravidão de um padrão de vida que não
traz felicidade. Ou, pelo menos, não a minha. Essa foi a maior lição que
aprendi com os europeus — que viajam mais do que ninguém, são mestres
na arte do savoir vivre e sabem muito bem como pilotar um fogão e uma vassoura.
PS:
Não estou pregando a morte das empregadas domésticas – que precisam do
emprego no Brasil –, a queima dos sofás em L e nem achando que o “modelo
frugal europeu” funciona para todo mundo como receita de felicidade.
Antes que alguém me acuse de tomar o comportamento de uma parcela da
classe média alta paulistana como uma generalização sobre a sociedade
brasileira, digo logo que, sim, esse texto se aplica ao pé da letra para
um público bem específico. Também entendo perfeitamente que a vida não é
tão “boa” para todos no Brasil, e que o “problema” que levanto aqui
pode até soar ridículo para alguns – por ser menor. Minha intenção, com
esse texto, é apenas tentar mostrar que a vida sempre pode ser menos
complicada e mais racional do que imaginam as elites mal-acostumadas no
Brasil
http://colunas.epoca.globo.com/mulher7por7/2010/10/30/como-a-classe-media-alta-brasileira-e-escrava-do-alto-padrao-dos-superfluos/
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